24.2.14

Rótulos e não-rótulos

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Acho engraçado como às vezes, a propósito de algum acontecimento específico que se aproxima no decorrer do curso, surjam discussões que se revelam urgentes entre os alunos mas que ainda assim continuam ausentes da actividade curricular oficial e só são alimentadas nos corredores, na mesa do bar, nas casas uns dos outros; ou seja: em qualquer sítio onde não esteja a acontecer uma aula.

(Uma nota inicial para enquadrar o que vem a seguir: estou a frequentar o 4.º ano – o último – da licenciatura de Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto).

Desta vez foi por causa da preparação da unidade curricular Projecto/Estágio que faz parte do último semestre do curso. Resumidamente, eis o que acontece: é-nos dada uma lista de estágios acordados previamente entre a faculdade e várias instituições; temos obrigatoriamente de seleccionar três desses estágios por ordem de preferência; mas temos também a hipótese de sugerir um outro numa entidade que tenhamos contactado por nossa iniciativa e podemos ainda propor o desenvolvimento de um projecto pessoal, cujas intenções devem ser explicadas para que este possa ser ajuizado/avaliado e, se deus quiser, aprovado. Ou não.

Alguns dos alunos interessados em propor um projecto pessoal sentiram-se assombrados pelo fantasma da necessidade de justificar em que medida é que os seus projectos são "projectos de design" e, assim, aceitáveis no contexto do curso que estão a frequentar. Chamo fantasma a essa necessidade porque apesar de não ter sido literalmente expressa por nenhum professor, ela não deixa de ser sentida pelos alunos. E relaciona-se com uma dúvida que tem vindo a crescer em mim e à minha volta à medida que avanço no curso e sobre a qual não tem havido muita discussão: vamos ser designers quando acabarmos o curso? E o que é que significa ser designer?

Isto porque passamos grande parte do curso a fazer coisas que não são bem design. Temos uma disciplina de vídeo que é uma introdução ao cinema; uma de fotografia que nos põe a fazer e a pensar a fotografia como uma prática artística; uma de ilustração que nos abre as portas à ilustração narrativa, aproximando-nos da figura de ilustrador-autor e afastando-nos da de designer; e por aí fora, incluindo ainda trabalhos de desenho realista, áudio, edição de grafismos 3D e manipulação de circuitos electrónicos.

Em muitos casos, dão-nos a entender que o que faz com que todas essas coisas que vamos fazendo e que não são bem design passem a ser design é o simples facto de servirem para anunciar um produto, um evento, uma marca, etc. Sinceramente, não estou preocupado em definir o que faço como design ou não-design. Mas se for esse o critério para o fazer, então prefiro fazer não-design, como, aliás, já tenho vindo a fazer ao longo do curso, não exclusivamente mas em grande parte.

Não vejo esta variedade de disciplinas como algo necessariamente negativo. Agrada-me poder ter contacto com diferentes meios e processos, apesar de sentir que a forma como está organizado o plano de estudos do curso acaba por fazer com que tenhamos apenas uma pequena introdução de cada coisa enquanto temos de lidar com uma série de propostas de trabalho bastante diferentes em simultâneo tornando essa experiência muito menos enriquecedora e consequente do que poderia ser.

Mas precisamente o espaço que temos dentro do plano de estudos do curso para poder desenvolver um projecto de maior duração numa área do nosso interesse, depois da tal breve introdução a tudo a que somos sujeitos, é esta unidade curricular de Projecto/Estágio. E sinto-me frustrado por, ao mesmo tempo que quero continuar a pensar e a desenvolver trabalho longe da definição de design que se aproxima dos produtos e das marcas e das identidades e do marketing e da publicidade e dos mercados e das empresas, e de não estar propriamente muito interessado em avaliar se estou a fazer design ou não, sinto esta necessidade de dizer "ah, mas isto aqui também é design, deixem-me fazer isto".

E isto torna-se ainda mais confuso porque estou neste momento a fazer Erasmus num curso de "Fine Art" e também aqui senti necessidade de me justificar e de adaptar o meu discurso para que aquilo que faço possa ser arte contemporânea. No fundo, perceber se o trabalho que tenho feito é arte ou é design ou é outra coisa qualquer, tem mais a ver com perceber de que forma é que ele é apresentado do que perceber as suas próprias qualidades. Depende sobretudo do contexto para o qual foi feito ou adaptado e do discurso que o acompanha – a sua justificação. Por isso prefiro não ocupar demasiado tempo a tentar merecer certos rótulos e começo a preferir usar não-rótulos: o que eu faço é não-design e é não-arte.