A
leitora(1) mais atenta e a quem uma enfermidade não tenha conduzido
a um estado comatoso nos últimos meses, ter-se-á certamente
apercebido do hiato mais ou menos correspondente ao período médio
de gestação de um bebé humano que intervalou a publicação de
textos neste blogue.
Durante este período, quase que se pôde ouvir a leitora desdenhosa exclamar entre dois infrutíferos rifréshes da página que os primeiros textos “foram só tesão de mijo”, mas agora, confrontada com as mais recentes publicações, pergunta-se se a tumefação inicial não se deveria a mais que mera pressão na bexiga.
Durante este período, quase que se pôde ouvir a leitora desdenhosa exclamar entre dois infrutíferos rifréshes da página que os primeiros textos “foram só tesão de mijo”, mas agora, confrontada com as mais recentes publicações, pergunta-se se a tumefação inicial não se deveria a mais que mera pressão na bexiga.
Mas
então por que raio, pergunta a leitora, se deve esta ausência
prolongada?
Em
primeiro lugar é importante esclarecer que não devemos explicações
a ninguém. Quem acha a leitora que é para exigir que escrevêssemos
mais regularmente neste blogue? Acha pouco é? Queria mais? É mau
que comece esta conversa de modo tão acintoso cara leitora, ainda
assim, concedo um adiantamento de razões.
Estamos
aqui perante três pessoas que apreciam escrever, naturalmente, ou
não teriam fundado este blogue onde partilham o que fazem, mas isso
não quer dizer que não lhes dê trabalho, logo, que não estejam
sujeitos a falta de tempo ou disponibilidade para o fazer, ou somente
suscetíveis a enrodilhar--se nas malhas apertadas da preguiça e da
procrastinação.
Mas se
gostam de escrever, entrevejo o formar desta indagação no olhar
pequenino e nervoso da amiga leitora, qual é o trabalho?
Lamento
ser eu a dar-lhe esta notícia mas, a caríssima leitora assistiu a
demasiados seminários de empreendedorismo e leu demasiados livros de
auto-ajuda, e padece agora de do-what-you-love-love-what-you-do-íase.
Esta
patologia, conhecida vulgarmente por “doença do bate-punho”,
apresenta uma lista de sintomas que permitem um diagnóstico
inequívoco, dos quais se destacam, em primeiro lugar, a ideia
neo-romântica de que se deve procurar em nós mesmos (e já não no
outro, como nos românticos sem prefixo) a paixão que dá sentido à
vida e que, encontrada essa paixão pessoal, esse gosto no fazer
algo, o nosso destino!, a vida se torna necessariamente numa contínua
e prazeirosa injeção de morfina, e em segundo lugar, a incapacidade
para enquadrar o trabalho numa relação social de valores
(económicos e outros) restando apenas o trabalho como gratificação
pessoal (romântica e/ou pecuniária, sendo que se apenas uma delas,
é sempre preferível que seja a primeira), ou seja, o
trabalho-masturbação, que, por experiência própria da dita, a
leitora sabe bem que não dá trabalho, apenas prazer.
Assim,
cumpre-me a danosa missão de lhe desfazer a ilusão, esclarecendo os
dois grandes equívocos que dela decorrem: nem o trabalho que produz
uma gratificação “masturbatória” no seu executante deixa de
ser esforçado e custoso por esse facto, nem (e este o mais
pernicioso) é realista a expectativa de que cada pessoa pode (e se
não conseguir, é apenas por um falhanço pessoal) encontrar e
cumprir um “destino” na forma de se ocupar e viver de um
trabalho/paixão.
Peço
encarecidamente perdão à leitora (o que é que vai agora fazer ao
poster motivacional com águias, leões e chamas em marca
d'água que tem na parede da cozinha não é?), não me leve a mal,
mas se levar, então que saia deste blogue e vá ao youtube ver
vídeos de discursos de cerimónias de graduação de universidades
norte-americanas. Mas não apague o blogue do histórico do browser,
caso um dia cá queira voltar. Só não se venha depois queixar se
encontrar ainda este post como
o mais recente.
(1) a
designação “leitora” pretende abranger não só o género
feminino mas também o masculino, apenas se evitou aqui, por
conveniência editorial, as formas “o leitor e a leitora”, “a
leitora e o leitor”, “o/a leitor(a)”, etc. e, porque faz doer
os olhos, a forma “@ leitor@”. Ao utilizar somente um género,
optou-se pelo feminino ao invés do tradicional masculino de forma a
demonstrar o progressismo do autor.