26.2.14

Aqui vamos nós (outra vez)

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A leitora(1) mais atenta e a quem uma enfermidade não tenha conduzido a um estado comatoso nos últimos meses, ter-se-á certamente apercebido do hiato mais ou menos correspondente ao período médio de gestação de um bebé humano que intervalou a publicação de textos neste blogue.

Durante este período, quase que se pôde ouvir a leitora desdenhosa exclamar entre dois infrutíferos rifréshes da página que os primeiros textos “foram só tesão de mijo”, mas agora, confrontada com as mais recentes publicações, pergunta-se se a tumefação inicial não se deveria a mais que mera pressão na bexiga.

Mas então por que raio, pergunta a leitora, se deve esta ausência prolongada?

Em primeiro lugar é importante esclarecer que não devemos explicações a ninguém. Quem acha a leitora que é para exigir que escrevêssemos mais regularmente neste blogue? Acha pouco é? Queria mais? É mau que comece esta conversa de modo tão acintoso cara leitora, ainda assim, concedo um adiantamento de razões.

Estamos aqui perante três pessoas que apreciam escrever, naturalmente, ou não teriam fundado este blogue onde partilham o que fazem, mas isso não quer dizer que não lhes dê trabalho, logo, que não estejam sujeitos a falta de tempo ou disponibilidade para o fazer, ou somente suscetíveis a enrodilhar--se nas malhas apertadas da preguiça e da procrastinação.

Mas se gostam de escrever, entrevejo o formar desta indagação no olhar pequenino e nervoso da amiga leitora, qual é o trabalho?

Lamento ser eu a dar-lhe esta notícia mas, a caríssima leitora assistiu a demasiados seminários de empreendedorismo e leu demasiados livros de auto-ajuda, e padece agora de do-what-you-love-love-what-you-do-íase.

Esta patologia, conhecida vulgarmente por “doença do bate-punho”, apresenta uma lista de sintomas que permitem um diagnóstico inequívoco, dos quais se destacam, em primeiro lugar, a ideia neo-romântica de que se deve procurar em nós mesmos (e já não no outro, como nos românticos sem prefixo) a paixão que dá sentido à vida e que, encontrada essa paixão pessoal, esse gosto no fazer algo, o nosso destino!, a vida se torna necessariamente numa contínua e prazeirosa injeção de morfina, e em segundo lugar, a incapacidade para enquadrar o trabalho numa relação social de valores (económicos e outros) restando apenas o trabalho como gratificação pessoal (romântica e/ou pecuniária, sendo que se apenas uma delas, é sempre preferível que seja a primeira), ou seja, o trabalho-masturbação, que, por experiência própria da dita, a leitora sabe bem que não dá trabalho, apenas prazer.

Assim, cumpre-me a danosa missão de lhe desfazer a ilusão, esclarecendo os dois grandes equívocos que dela decorrem: nem o trabalho que produz uma gratificação “masturbatória” no seu executante deixa de ser esforçado e custoso por esse facto, nem (e este o mais pernicioso) é realista a expectativa de que cada pessoa pode (e se não conseguir, é apenas por um falhanço pessoal) encontrar e cumprir um “destino” na forma de se ocupar e viver de um trabalho/paixão.

Peço encarecidamente perdão à leitora (o que é que vai agora fazer ao poster motivacional com águias, leões e chamas em marca d'água que tem na parede da cozinha não é?), não me leve a mal, mas se levar, então que saia deste blogue e vá ao youtube ver vídeos de discursos de cerimónias de graduação de universidades norte-americanas. Mas não apague o blogue do histórico do browser, caso um dia cá queira voltar. Só não se venha depois queixar se encontrar ainda este post como o mais recente.


(1) a designação “leitora” pretende abranger não só o género feminino mas também o masculino, apenas se evitou aqui, por conveniência editorial, as formas “o leitor e a leitora”, “a leitora e o leitor”, “o/a leitor(a)”, etc. e, porque faz doer os olhos, a forma “@ leitor@”. Ao utilizar somente um género, optou-se pelo feminino ao invés do tradicional masculino de forma a demonstrar o progressismo do autor.